Thursday, September 29, 2005

Pais abrem processo nos EUA contra escola que ensina "design inteligente"

JORNAL DA CIÊNCIA

JC e-mail 2863, de 27 de Setembro de 2005.

Pais abrem processo nos EUA contra escola que ensina "design inteligente"

É consenso entre os cientistas sérios que o chamado "design inteligente" é apenas um cavalo de tróia para introduzir conceitos religiosos em aulas de ciência

Onze pais de alunos em Dover, uma pequena cidade na Pensilvânia, EUA, estão processando uma escola por sua decisão de ensinar "alternativas" à evolução pela seleção natural, incluindo o conceito conhecido como "design inteligente".

Com a ascensão de religiosos conservadores a várias instâncias de poder nos EUA, desafios à teoria evolucionista, segundo a qual mutações aleatórias no DNA e seleção natural levaram ao surgimento de formas de vida complexas, têm surgido com mais freqüência.

Mas é consenso entre os cientistas sérios que a alternativa, o chamado "design inteligente" (que apregoa que a vida é complexa demais para ter evoluído sem ajuda de um "criador"), é apenas um cavalo de tróia para introduzir conceitos religiosos em aulas de ciência.

O processo, que começará agora a ser julgado, é a primeira tentativa legal de impedir uma escola de ensinar o "design inteligente". (Do New York Times)

(Folha de SP, 27/9)

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O que é o Design Inteligente? *

O que é o Design Inteligente? *


Por Julio Cesar Pieczarka, Dr., 2005.



Se você assume que fomos projetados de modo "inteligente" é inevitável a conclusão de se trata de um serviço muito mal feito, por um designer bastante incompetente, conclusão esta que dificilmente vai agradar um criacionista.

Tenho notado que sempre que surge a discussão Evolução x Criacionismo, repete-se a mesma situação: os criacionistas atacam a Teoria da Evolução e os evolucionistas tratam de defendê-la.

Na discussão seguinte, repete-se tudo de novo, não trazendo nada de novo e provavelmente aborrecendo quem não está diretamente envolvido na questão, ou seja, a maioria das pessoas. Nada se fala, porém, das propostas criacionistas.

Assim, gostaria de lançar luz sobre o outro aspecto da questão, discutindo o que é o Design Inteligente, quais suas propostas e críticas que se fazem a esta sugestão. Deste modo invertem-se desta vez os papéis, só para variar.

1) O que é o Design Inteligente?

A proposta do Design Inteligente (DI) encontra sua origem no teólogo William Pailey, que em 1831 imaginou o seguinte: se ao caminhar por uma charneca ele encontrasse uma pedra, provavelmente não daria maior atenção a ela, supondo que a mesma se encontra ali desde os princípios dos tempos.

Todavia, se ele se deparasse com um relógio, a coisa mudaria de figura, pois o relógio não é um objeto simples como a pedra. Ele leva imediatamente à idéia do relojoeiro, isto é, de uma inteligência que o projetou.

Assim, a existência de seres e/ou estruturas biológicas organizadas no mundo natural levariam à idéia de uma inteligência superior, provando a existência de Deus. Em linhas gerais, o DI propõe a mesma coisa: o design existe na natureza, levando inevitavelmente à idéia do designer.

A princípio, o designer poderia ser qualquer inteligência desconhecida pelos seres humanos, podendo ser, por exemplo, uma civilização alienígena. Porém, a preferência sempre foi por um Deus do tipo Judáico-Cristão.

Seguindo este raciocínio, a existência de estruturas complexas não seria explicável pela teoria da evolução. Behe (1997) sugere o conceito de Complexidade Irredutível. Seriam estruturas que só funcionariam se todas as suas partes estivessem presentes desde o princípio; portanto, elas não poderiam ser organizadas em um processo passo-a-passo, via seleção natural.

Um exemplo apresentado por Behe é o da ratoeira: se alguma das partes da ratoeira faltar, ela não funciona.

Deste modo, ela não teria surgido pelo aparecimento primeiro de uma parte, depois de outra, etc... pois ela só funciona no final, quando todas as partes estão presentes.

Como ela é inútil nos passos intermediários (não funciona) ela não poderia ter surgido por seleção natural, pois a seleção implica em vantagem em cada etapa.

Ele afirma existirem na natureza casos de complexidade irredutível, dando alguns exemplos, entre os quais o olho e o sistema imunológico. Outra proposta foi feita por Dembski (1998), o qual afirma que o design ocorre sempre que dois critérios são satisfeitos: complexidade e especificação. Complexidade não é o bastante, é preciso uma intenção subjacente, que indica inteligência.



2) Quais as críticas às propostas do DI?


Em primeiro lugar é preciso deixar claro que o design existe na natureza. Efetivamente a mão humana ou o sistema muscular de uma cobra, por exemplo, não são fruto do acaso. Eles desempenham uma função, para a qual foram projetados.

O grande problema com o Design Inteligente não é a idéia de design em si, é o imenso salto epistemológico em supor que este design implica necessariamente em um designer inteligente e consciente.

O design que eles detectam foi "projetado", porém, por um designer não consciente, que atende pelo nome de "seleção natural".

Quando se vai argumentar contra uma teoria é preciso pelo menos conhecer o que ela afirma. Infelizmente, porém, parece que os defensores do DI tem uma visão bastante errônea sobre a Teoria da Evolução, já que eles afirmam ser impossível as estruturas complexas do mundo atual serem explicadas por puro acaso.

Na realidade, um dos poucos elementos casuais na Teoria da Evolução é a mutação, que não surge em função da necessidade imediata do organismo.

No que toca à seleção natural, porém, não há nada de casual. A escolha das formas mutantes que são preservadas de modo algum é aleatória, pois a seleção é a interface entre o organismo e o meio em que ele vive.

Assim, passo a passo, as escolhas são feitas em função do ambiente e das necessidades do organismo. Estruturas paulatinamente mais complexas surgem a partir de menos complexas. Portanto, repito, o design detectado nada mais é que o resultado da seleção natural.

Alguém poderia argumentar que do mesmo modo, poderia ser atribuída a uma inteligência superior esta intenção, de modo que esta sugestão equivaleria à da seleção e, portanto, ambas teriam igual poder e tudo vira uma questão de opinião.

Não é assim, porém. A seleção natural é uma explicação baseada no mundo natural, sem necessitar de lançar mão de uma explicação sobrenatural. Um cientista deve usar a ‘Navalha de Occam’ e optar pela possibilidade mais simples e lógica.

Se uma pessoa opta pela idéia de que o design deve provir de Deus, trata-se de uma opinião dela, mas sem base científica. Deixa de ser ciência e se torna religião (até porque os desígnios Divinos, bem com a própria existência ou não de Deus estão fora do alcance da ciência, que não pode provar nem que Ele existe, nem que Ele não existe).

Em essência, os defensores do DI, ao detectar design na natureza nada mais fazem que detectar a evolução. O mesmo argumento serve contra Dembski, pois o processo de seleção natural tanto gera complexidade como traz em si o conceito de especificação, pois as estruturas não foram selecionadas ao acaso, mas em função das necessidades de sobrevivência específicas daquela espécie.

O erro, volto a dizer é automaticamente supor que design implica em designer inteligente e consciente. Com relação à complexidade irredutível, efetivamente a ratoeira é um exemplo deste tipo de complexidade e que foi, portanto, projetada de modo inteligente.

Projetada por um ser humano! Mas não há exemplos na natureza deste tipo de complexidade. A literatura disponível sobre biologia molecular contradiz este conceito, ao mostrar que estruturas aparentemente irredutíveis, na verdade, podem ser decompostas em etapas, através da duplicação de alguns genes.

Efetivamente, a duplicação gênica é um fenômeno importante no processo evolutivo, pois enquanto uma cópia do gene continua fazendo sua função, a outra fica livre para sofrer alterações.

Eventualmente estas alterações levam à síntese de proteínas que complementam a função da proteína sintetizada pelo gene original. Assim, é desnecessário, do ponto de vista científico, adicionar um elemento sobrenatural a fenômenos biológicos, uma vez que dispomos de explicações coerentes com o mundo natural.

Por fim, um aspecto que incomoda os defensores do DI (Dembski, por exemplo) é a questão da imperfeição do nosso design. Pigluiucci (2001) pergunta por que temos varises, hemorróidas, dor nas costas e nos pés?

A explicação da Teoria da Evolução é a de que evoluímos para o bipedismo em época relativamente recente, de modo que nosso corpo ainda não está perfeitamente adaptado a esta postura.

Mas se você assume que fomos projetados de modo ‘inteligente’ é inevitável a conclusão de se trata de um serviço muito mal feito, por um designer bastante incompetente, conclusão esta que dificilmente vai agradar um criacionista.

Dembski não encontrou resposta para isso, apenas aceitou o fato de que nosso design não é o ótimo que se esperaria de um Deus Todo Poderoso.

Desde Platão esta questão existe, pois ele sugeria que dado o serviço de qualidade variável, o projetista do Universo não poderia ser um Deus onipotente, mas apenas um Demiurgo, um deus menor, que não tinha capacidade de gerar algo melhor do que nós temos.

3) Qual a origem do grupo que defende o DI?

A conclusão mais evidente é a de se trata de um grupo criacionista, apesar deles negarem enfaticamente. O próprio conceito de Design Inteligente (a existência de uma inteligência que projetou o design) é um conceito criacionista em sua essência, embora não seja o mesmo que afirmar que a Terra tem 6000 anos como supõe alguns criacionistas (contrariando não apenas a Teoria da Evolução, mas também toda da Paleontologia, Geologia e Astronomia).

No entanto a noção de criação é implícita à idéia do DI. Mas vamos aos fatos. Em 1968 a Suprema Corte americana considerou a proibição do ensino de evolução (que perdurou por quase todo o século XX em muitos estados americanos) como inconstitucional, pois o motivo da proibição era visivelmente de fundo religioso e violava o princípio constitucional de separação entre estado e religião.

Os criacionistas no inicio dos anos 70 começaram então a divulgar o conceito de ‘criacionismo científico’, supostamente não religioso e que requeriria pelo menos tempo igual de divulgação em sala de aula da ‘teoria rival’, a evolução (Pennock, 2003).

Algumas leis passaram em alguns estados, mas em 1987 a Suprema Corte, no caso Edwards X Aguillard, decidiu que o criacionismo científico era de fato religião, por atribuir a origem humana a um ser sobrenatural.

Diante desta nova derrota ficou claro que os criacionistas precisavam de uma nova estratégia. Assim, o que eles precisavam era de um grupo, aparentemente independente deles, que:

a) se declarasse não criacionista (para fugir à acusação de ser um grupo religioso), que

b) lutasse por legitimidade científica (para poder ser ensinado em sala de aula), legitimidade esta a ser alcançada por bem ou por mal, tentando arrombar a porta se a mesma lhes fosse fechada, acusando os cientistas de autoritários (como se legitimidade científica fosse brinde que vem em caixa de cereal) e que

c) tivesse por mote combater a Teoria da Evolução, unindo forças com os criacionistas assumidos toda vez que isso fosse vantajoso. Então, no fim dos anos 80 surgiu o movimento DI. Se alguém ler a mensagens postadas no JC e-mail (e nos sites do DI) dos defensores do DI, verá que o comportamento descrito acima é exatamente aquele que eles apresentam (se tiverem respostas do DI a esta mensagem, por favor, atentem para este detalhe).

Estas são evidências circunstanciais. A evidência definitiva vem do documento chamado ‘The Wedge Strategy’, que estabelece as bases do movimento DI.

Este documento era interno do instituto criacionista Discovery Institute's Center for Science and Culture (CSC), mas vazou e foi publicado na internet em 2000 (Pennock, 2003). Uma cópia pode ser encontrada na página http://www.public.asu.edu/~jmlynch/idt/wedge.html

Ele estabelece que a proposta de que os seres humanos foram criados à imagem de Deus é uma das pedras fundamentais da civilização ocidental e que esta proposta está sendo ameaçada por intelectuais materialistas, como Charles Darwin, Sigmund Freud e Karl Marx.

Assim, o CSC iria reagir, através da construção de uma alternativa às teorias materialistas. Esta construção se chamaria Design Inteligente. O documento estabelece ainda um plano estratégico a ser desenvolvido em cinco anos, compreendendo três fases:

1) Pesquisa, Redação e Publicação;

2) Publicidade e Formação de Opinião;

3) Confrontação Cultural e Renovação.

Como a primeira fase foi um fracasso retumbante (mesmo com generosas verbas para pesquisa), eles passaram direto para a segunda e terceira fases. Pelo menos em um ponto eles acertaram em cheio: "Sem argumentação e pesquisa sólidas, o projeto será apenas mais uma tentativa de doutrinar, ao invés de persuadir".

Espero que os fatos e argumentos aqui apresentados contribuam para uma compreensão mais clara do que é o DI.

Wednesday, September 21, 2005

A filosofia é pop, mas não poder ser burra

Caro Ghiraldelli:Em que pese sua opinião sobre o caderno "Ser ou Não Ser" do Fantástico/Globo, abordando aspectos filosóficos, iniciativa pioneira do gênero, num esforço de equalizar conteúdo, imagem e tempo de vinculação de mídia, para trazer a grande massa pelo menos pequena noção dos tratados filosóficos, na crítica sempre assaz e oportuna desse Professor/Filósofo, há aspecto outro que bem poderia ser defendido. Num passado não muito distante, já no final do Governo de FHC, o Congresso, sob o esforço desse presidente sociólogo, rejeitou a inclusão por lei das disciplinas de sociologia e filosofia no ensino de segundo grau, e sob protestos do PT, então oposição. Agora, com o PT no Poder, bem que esta questão deveriam retornar à luz, o que precisa de defensor. De formas que, considerando seu predicados intelectuais e esforços em divulgar os estudos filosóficos, sugiro ao Professor abraçar a idéia, quem sabe acrescentando à reivindicação uma terceira e importante disciplina: Lógica; como antigamente.Tenho por convicção, e acho que o Professor concordará, que ensino escolar da Filosofia, Sociologia e Lógica trarão grande avanço na formação dos estudantes, e se constituirá em mais um instrumentação de libertação de consciências.Abs.Volnei -----

Original Message ----- From: Paulo Ghiraldelli Jr To: filosofia_americana@yahoogrupos.com.br Sent: Monday, September 19, 2005 3:25 PM Subject: [Estudos da Verdade]

A filosofia é pop, mas não poder ser burra


A filosofia é pop, mas não pode ser burra Filosofia no "Fantástico", do modo que está, é burra. É tudo, menos filosofia. Filosofia em manuais é necessário. Mas em manuais toscos, é o que menos precisamos. As pessoas procuram a área de filosofia. Sim, procuram. Há a idéia de que o filósofo, de todos os que transitam nas Humanidades, é o que é melhor formado, o que "restou" de uma "época de ouro" no ensino brasileiro. Em parte isso é verdade. Quem procura a filosofia o faz por motivos estritamente ligados ao saber, à curiosidade, então, em geral é alguém que lê, que leva a filosofia a sério. Mas é tolice pensar que só por isso qualquer um que fez o curso de filosofia ou que escreveu algo em filosofia pode fazer divulgação filosófica de modo correto. A divulgação em filosofia demanda um filosófo mais bem preparado que o filósofo que faz pesquisa no mundo acadêmico. Os grandes filósofos foram os melhores divulgadores da filosofia. Descartes, Sartre e Rorty - todos eles, para não citar um bocado de outros, fizeram textos de suas filosofias para o grande público. Tiveram sucesso nisso. Uma coisa é dar palestrinhas que criam a "sensação subjetiva", em quem assiste, de que se está aprendendo filosofia ou, pior, se está filosofando, outra coisa é gerar uma forma de exposição clara, didática, mas correta, que realmente coloca quem assiste no rumo da filosofia. Há quem pesquise e escreva sobre filosofia, mas não possui maturidade intelectual para divulgar filosofia de modo eficaz e correto. Há quem divulgue, mas não seja realmente bem ilustrado e profundo para isso. Os países que democratizaram o seu ensino de um modo geral são os que conseguiram gerar filósofos capazes de textos de profundidade e, ao mesmo tempo, textos de divulgação ou de "formação". Os Estados Unidos são um exemplo disso, hoje, mais que os europeus. Os norte-americanos fazem muitos manuais bem feitos. Fazem programas na TV, de filosofia, que são bons e para um grande público. No Brasil os manuais apenas repetem uma velha e cansativa história da filosofia que leva à falsa erudição. E o que se faz na TV sobre filosofia, mesmo nos canais culturais, parece ou um repeteco de aulas bem cansativas e sem qualquer objetivo ou, então, são o "samba do crioulo doido" do Fantástico. Pessoas repetindo "é melhor ser que ter" ou "o pensar liberta" é o que resulta do Fantástico. Pessoas criando frases como "o neoliberalismo e a globalização condenam todos nós" para colocar em dissertações e teses de uma academia que exige títulos sem conhecimento é o que resulta das aulas das TVs culturais. Estamos sem jornalistas culturais sérios. Falta no mercado bons professores de filosofia que saibam usar a filosofia, que saibam colocá-la nas mãos das pessoas sem que isso se transforme em bobagem de auto ajuda. No momento que estamos vivendo, que é a época onde os "filósofos brasileiros" recomendados viraram papagaios de pirata - ou de FHC ou de Lula - e não enxergam um palmo na frente do nariz, é fácil que um bando de imbecis venha a dizer que "a questão do ser" é importante - na TV. É marmelada. O Chacrinha filosofava melhor. As escolas de filosofia deveriam começar a se preocupar com o jornalismo cultural, também na área de filosofia. Todas as faculdades de filosofia deveriam pensar seriamente nisso.


Paulo Ghiraldelli Jr. é filósofo e autor de Caminhos da filosofia (Rio de Janeiro: DPA, 2005). Copordenador do GT-Pragmatismo da Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (ANPOF). www.ghiraldelli.pro.br - Site Pessoal


Fabiano Oliveira
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Sunday, September 18, 2005

De onde vem a guerra

Super Conjectural e vindo de Olavo de Carvalho deveras polêmico e suscitador de amor e ódio.
Um artigo guardado para futuras análises.
Pela lei da relatividade o que parece ser devaneio pode ser um indicador dos rumos do nosso planeta.

Fabiano Oliveira



http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/opiniao/2005/09/14/joropi20050914002.html
De onde vem a guerra
Olavo de Carvalho
Filósofo

Neste momento há três e não mais de três grandes planos de guerra em andamento no mundo. Vêm sendo montados há tanto tempo, com tão vasta mobilização de recursos e já em estágio tão avançado de implementação, que só mudanças repentinas do cenário mundial, bastante improváveis aliás, podem talvez impedir que mais cedo ou mais tarde sejam levados às últimas conseqüências.

O primeiro deles é a investida da China contra Taiwan, antecipada por manobras navais intimidatórias e destinada a suscitar uma resposta americana, justificando então um ataque chinês ao território dos EUA. Para isso Pequim acumula armas atômicas e nanotecnológicas em escala apocalíptica, enquanto os EUA, burguesmente confiantes numa ridícula estratégia de apaziguamento comercial, fazem cortes e mais cortes nos seus orçamentos militares (prova inequívoca de intenções belicosas, não é mesmo?).
Leiam Hegemon: China's Plan to Dominate Asia and the World, de Steven W. Mosher (Encounter Books, 2000) e procurem no Google os artigos de Lev Navrozov e J. R. Nyquist.

O segundo é o cronograma islâmico em sete etapas (estamos na segunda) para estabelecer um califado global até o ano 2020. Foi divulgado pelo jornalista jordaniano Fouad Hussein em entrevistas com os principais líderes terroristas - a começar pelo orquestrador do caos iraquiano, Abu Musab al-Zarqawi - publicadas no livro A Segunda Geração da Al-Qaeda (em árabe). Um resumo encontra-se no jornal australiano The Age (v. <http://www.theage.com.au/news/war-on-terror/alqaeda-chiefs-reveal-world-domination-design/2005/08/23/1124562861654.html?oneclick=true ).
Tal como no caso anterior, o ponto principal desta estratégia é suscitar conflitos locais que desencadeiem uma resposta americana e então usá-la como pretexto legitimador para um ataque aos EUA.


O terceiro está bem aqui pertinho. A adoção oficial da doutrina de ''guerra do povo'' do general vietnamita Giap para a militarização da sociedade
(v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/041226zh.htm ), a implantação da Nova Lei Orgânica das Forças Armadas que transforma essa doutrina em realidade, a presença de mais de vinte mil soldados cubanos na Venezuela e de tropas da Venezuela nas Farc - tudo isso torna evidente, na análise do ex-chefe da Casa Militar da presidência venezuelana, vice-almirante Mario Iván Carratú Molina, a lógica militar de Hugo Chávez: agressão conjunta à Colômbia por forças da Venezuela, de Cuba e das Farc para suscitar uma reação de Washington e então mobilizar a América Latina inteira contra os EUA
(v. http://www.noticierodigital.com/forum/viewtopic.php?p=168913#168913 ).
A mídia brasileira oculta esses planos como ocultou, por mais de uma década, o Foro de São Paulo. Mas, como os três convergem na meta de induzir os EUA a um combate multilateral, paralisando-os ao mesmo tempo por meio de cobranças morais e diplomáticas das quais seus agressores já estarão automaticamente dispensados (tal é a regra da ''guerra assimétrica'': v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/040520fsp.htm ), é claro que não podem entrar em ação aberta sem a adequada preparação psicológica do ambiente em todos os países envolvidos, inclusive o Brasil. Por isso é que já pululam, nos nossos jornais, comentários que alertam contra a eventual reação defensiva americana, chamando-a antecipadamente de ''invasão imperialista'' e apresentando-a como se fosse o lance inicial das hostilidades, sem causas nem antecedentes exceto a pura maldade ianque.
Os autores desses artigos, fora algumas exceções que o termo leninista ''idiota útil'' resume com precisão, são militantes do Foro de São Paulo, agentes de influência formados nos serviços de inteligência comunistas ou indivíduos que sintetizam essas duas belas qualidades. Não são repórteres narrando o que viram ou analistas tentando compreender o mundo. Seus escritos estão fora da definição de ''jornalismo''. São propaganda e desinformação no sentido mais estrito e profissional dos termos. Fazem parte do esforço de guerra.

Fabiano Oliveira
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Saturday, September 17, 2005

O FATOR DEUS

O FATOR DEUS
José Saramago

Algures na Índia. Uma fila de peças de artilharia em posição. Atado à boca de cada uma delas há um homem. No primeiro plano da fotografia um oficial britânico ergue a espada e vai dar ordem de fogo. Não dispomos de imagens do efeito dos disparos, mas até a mais obtusa das imaginações poderá "ver" cabeças e troncos dispersos pelo campo de tiro, restos sanguinolentos, vísceras, membros amputados. Os homens eram rebeldes.Algures em Angola. Dois soldados portugueses levantam pelos braços um negro que talvez não esteja morto, outro soldado empunha um machete e prepara-se para lhe separar a cabeça do corpo. Esta é a primeira fotografia. Na segunda, desta vez há uma segunda fotografia, a cabeça já foi cortada, está espetada num pau, e os soldados riem. O negro era um guerrilheiro.Algures em Israel. Enquanto alguns soldados israelitas imobilizam um palestino, outro militar parte-lhe à martelada os ossos da mão direita. O palestino tinha atirado pedras.Estados Unidos da América do Norte, cidade de Nova York. Dois aviões comerciais norte-americanos, sequestrados por terroristas relacionados com o integrismo islâmico, lançam-se contra as torres do World Trade Center e deitam-nas abaixo. Pelo mesmo processo um terceiro avião causa danos enormes no edifício do Pentágono, sede do poder bélico dos States. Os mortos, soterrados nos escombros, reduzidos a migalhas, volatilizados, contam-se por milhares.As fotografias da Índia, de Angola e de Israel atiram-nos com o horror à cara, as vítimas são-nos mostradas no próprio instante da tortura, da agônica expectativa, da morte ignóbil. Em Nova York tudo pareceu irreal ao princípio, episódio repetido e sem novidade de mais uma catástrofe cinematográfica, realmente empolgante pelo grau de ilusão conseguido pelo engenheiro de efeitos especiais, mas limpo de estertores, de jorros de sangue, de carnes esmagadas, de ossos triturados, de merda.O horror, agachado como um animal imundo, esperou que saíssemos da estupefação para nos saltar à garganta. O horror disse pela primeira vez "aqui estou" quando aquelas pessoas saltaram para o vazio como se tivessem acabado de escolher uma morte que fosse sua. Agora o horror aparecerá a cada instante ao remover-se uma pedra, um pedaço de parede, uma chapa de alumínio retorcida, e será uma cabeça irreconhecível, um braço, uma perna, um abdômen desfeito, um tórax espalmado.Mas até mesmo isto é repetitivo e monótono, de certo modo já conhecido pelas imagens que nos chegaram daquele Ruanda-de-um-milhão-de-mortos, daquele Vietnã cozido a napalme, daquelas execuções em estádios cheios de gente, daqueles linchamentos e espancamentos daqueles soldados iraquianos sepultados vivos debaixo de toneladas de areia, daquelas bombas atômicas que arrasaram e calcinaram Hiroshima e Nagasaki, daqueles crematórios nazistas a vomitar cinzas, daqueles caminhões a despejar cadáveres como se de lixo se tratasse.De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta aos seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar. Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em nome de Deus.Já foi dito que as religiões, todas elas, sem exceção, nunca serviram para aproximar e congraçar os homens, que, pelo contrário, foram e continuam a ser causa de sofrimentos inenarráveis, de morticínios, de monstruosas violências físicas e espirituais que constituem um dos mais tenebrosos capítulos da miserável história humana.Ao menos em sinal de respeito pela vida, deveríamos ter a coragem de proclamar em todas as circunstâncias esta verdade evidente e demonstrável, mas a maioria dos crentes de qualquer religião não só fingem ignorá-lo, como se levantam iracundos e intolerantes contra aqueles para quem Deus não é mais que um nome, nada mais que um nome, o nome que, por medo de morrer, lhe pusemos um dia e que viria a travar-nos o passo para uma humanização real. Em troca prometeram-nos paraísos e ameaçaram-nos com infernos, tão falsos uns como outros, insultos descarados a uma inteligência e a um sentido comum que tanto trabalho nos deram a criar.Disse Nietzsche que tudo seria permitido se Deus não existisse, e eu respondo que precisamente por causa e em nome de Deus é que se tem permitido e justificado tudo, principalmente o pior, principalmente o mais horrendo e cruel.Durante séculos a Inquisição foi, ela também, como hoje os talebanes, uma organização terrorista que se dedicou a interpretar perversamente textos sagrados que deveriam merecer o respeito de quem neles dizia crer, um monstruoso conúbio pactuado entre a religião e o Estado contra a liberdade de consciência e contra o mais humano dos direitos: o direito a dizer não, o direito à heresia, o direito a escolher outra coisa, que isso só a palavra heresia significa.E, contudo, Deus está inocente. Inocente como algo que não existe, que não existiu nem existirá nunca, inocente de haver criado um universo inteiro para colocar nele seres capazes de cometer os maiores crimes para logo virem justificar-se dizendo que são celebrações do seu poder e da sua glória, enquanto os mortos se vão acumulando, estes das torres gêmeas de Nova York, e todos os outros que, em nome de um Deus tornado assassino pela vontade e pela ação dos homens, cobriram e teimam em cobrir de terror e sangue as páginas da história.Os deuses, acho eu, só existem no cérebro humano, prosperam ou definham dentro do mesmo universo que os inventou, mas o "fator Deus", esse, está presente na vida como se efetivamente fosse o dono e o senhor dela. Não é um deus, mas o "fator Deus" o que se exibe nas notas de dólar e se mostra nos cartazes que pedem para a América (a dos Estados Unidos, não a outra...) a bênção divina. E foi o "fator Deus" em que o deus islâmico se transformou, que atirou contra as torres do World Trade Center os aviões da revolta contra os desprezos e da vingança contra as humilhações.Dir-se-á que um deus andou a semear ventos e que outro deus responde agora com tempestades. É possível, é mesmo certo. Mas não foram eles, pobres deuses sem culpa, foi o "fator Deus", esse que é terrivelmente igual em todos os seres humanos onde quer que estejam e seja qual for a religião que professem, esse que tem intoxicado o pensamento e aberto as portas às intolerâncias mais sórdidas, esse que não respeita senão aquilo em que manda crer, esse que depois de presumir ter feito da besta um homem acabou por fazer do homem uma besta.Ao leitor crente (de qualquer crença...) que tenha conseguido suportar a repugnância que estas palavras provavelmente lhe inspiraram, não peço que se passe ao ateísmo de quem as escreveu. Simplesmente lhe rogo que compreenda, pelo sentimento de não poder ser pela razão, que, se há Deus, há só um Deus, e que, na sua relação com ele, o que menos importa é o nome que lhe ensinaram a dar. E que desconfie do "fator Deus". Não faltam ao espírito humano inimigos, mas esse é um dos mais pertinazes e corrosivos. Como ficou demonstrado e desgraçadamente continuará a demonstrar-se.

[Publicado na "Folha de São Paulo" em 19 de setembro de 2001]

Fabiano Oliveira
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Friday, September 16, 2005

A PÁGINA NEGRA DO CRISTIANISMO

A PÁGINA NEGRA DO CRISTIANISMO(2000 Anos de crimes, terror e repressão)
Enrico Riboni (*)

PREFÁCIO

Há cerca de 2000 anos, nascia na Galiléia um fundador de seita,que acabaria crucificado uns trinta anos mais tarde. Algumas de suas últimas palavras na cruz foram "Dêem-me de beber". E só. Aseita que ele tinha fundado tornar-se-ia, com o passar dos anos, a maior de todos os tempos. Ela tomará o poder político dentro doImpério Romano, abolirá a liberdade de religião, depois ajuntarámontanhas de cadáveres: os seus membros massacrarão milhões de "infiéis", "hereges", "feiticeiras" e outros, depois sematarão entre eles próprios, levando a Europa a algumas das guerras mais ferozes que ela conheceu. Um passado destes poderia incitar a modéstia, mas os cristãos reivindicam, pelo contrário, omonopólio da ética. Proclamam que adoram o Deus único, que deus é "amor",e se consideram melhores que o resto da humanidade.Única ideologia capaz de dividir com o comunismo e o nazismo opódio dedicado às ideologias mais mortíferas da história humana, o cristianismo mantém-se como uma ideologia dominante em muitospaíses ocidentais, como o "gendarme do mundo", os EUA. Chegou a hora de abrir o "Livro Negro do Cristianismo: 2000 anos de terror, perseguições e repressão", que resume algumas das pioresatrocidades cometidas em nome dessa ideologia que pretende promover o amor ao próximo.Ano um"Os deuses não estavam mais, e Deus não estava ainda." OImpério Romano garantia a liberdade de culto. O ateísmo e a razãodominavam. É nessa época que nasce um sujeito que, segundo dizem certosjudeus, perdeu o juízo porque leu o Torah demasiadamente jovem. Ele fundauma seita que visa proibir o culto dos outros deuses, exceto o seu. O sujeito é, finalmente, morto, mas a seita se expande com oêxito que se conhece.O culto da personalidade do fundador da seita atinge, noscristãos, um nível que nem mesmo o estalinismo conseguirá igualar: ofundador é proclamado "verdadeiro homem e verdadeiro Deus", ("Deus-Homem", em linguagem comum). Os que duvidam disso são proclamadosimediatamente hereges, e sofrerão, mais tarde, os raios da Inquisição. Apartir do século IV da nossa era, começará o assassinato dosnão-crentes pelos cristãos.Anos 50-70A seita cristã se desenvolve. Textos gregos, escritos por membrosda seita fora da Palestina ("Os evangelhos") relatam a vida do fundador: nascido duma virgem, que se manterá virgem mesmo tendo váriosoutros filhos, ele terá sarado doentes, mas também amaldiçoa umafigueira que fica instantaneamente seca, e fará precipitar num lagocentenas de porcos que não lhe pertenciam (Nota 1). O fato de, segundo os evangelhos "canônicos", as suas últimas palavras sobre a cruzterem sido "Dai-me de beber" não parece perturbar os adeptos da seita,que se expande por todo o Império.A intolerância religiosa dos cristãos, que visam abertamente,desde o início, impor uma interdição aos cultos de deuses que não oseu, o qual eles insistem ser o "único Deus", começa logo a atrair aatenção da justiça romana, que defende a liberdade de culto, a qual éum dos pilares dessa sociedade complexa e multi-cultural que é oImpério Romano dos primeiros séculos da nossa era. A propaganda cristã inverte habilmente a situação. Os condenados pela justiçaromana são declarados "mártires" e os seus restos são venerados nasigrejas, inventando-se a lenda de eles terem sido executados por terem "recusado a renegar a fé", desculpa essa bem melhor do que a verdade nua, que mostra que foram condenados por desordem eimposição da intolerância religiosa na sociedade multi-cultural.Ano 312Tomada do poder pelos cristãos. No fim duma guerra civil,Constantino toma o poder. Pouco depois ele se converte oficialmente ao cristianismo, e "autoriza", num primeiro tempo, o culto do deusúnico cristão, pelo Édito de Milão: é o início daperseguição religiosa na Europa. Pouco a pouco o culto dos outros deuses, exceto o deus cristão, vai sendo proibido. Os santuários clássicosserão destruídos ou transformados em igrejas cristãs. No fim do século IV, naohaverá mais nenhum templo pagão em toda a bacia do Mediterrâneo.Ano de 380O imperador Teodósio proclama oficialmente o Cristianismo a única "Religião de Estado". Mas ainda será necessárioesperar mais 12 anos para que todos os outros cultos sejam definitivamente proibidos.Ano de 389Teófilo, hoje Santo Teófilo, é nomeado patriarca deAlexandria e inicia imediatamente uma violenta campanha de destruição de todosos templos e santuários não-cristãos. Tem o apoio do pioimperador Teodósio. Deve-se a Teófilo a destruição, em Alexandria, dostemplos de Mitríade e de Dionísio. Essa loucura destruidora culmina em391 com a destruição do templo de Serapis e da sua biblioteca. Aspedras dos santuários destruídos serão usadas para edificar igrejaspara a nova religião única, a cristã.Em seguida e para demonstrar que ele é capaz de perseguirtambém cristãos (na medida em que eles nao sejam 100% ortodoxos),Teófilo comanda pessoalmente as tropas que atacam e destroem os mosteiros que aderiram rs idéias de Orígeno, um teólogo cristão que foideclarado herege porque afirmava que deus era puramente imaterial.Ano de 389Pela primeira vez, um chefe cristão dita a um imperador, apolítica a ser seguida: Santo Ambrósio de Milão, levanta-se em plenacatedral, e com o sentido de caridade tão particular aos cristãos, impõeque o imperador anule a ordem que dera ao bispo de Calinicum, sobre o Eufrates, para que reconstruísse uma sinagoga que ele e a sua congregação tinham destruído. A igreja toma partido assim,desde o princípio, dos incendiários de sinagogas, posição quecontinuará a manter até ao ano de 1940.Início dos anos 390O piedoso imperador cristão Teodósio interdita progressivamentetodos os cultos não cristãos. Pouco a pouco, os templos nãocristãos são fechados ao culto, as procissões "pagãs" são proibidas. Esta supressão da liberdade de religião, em proveito exclusivo do cristianismo, causa por vezes revoltas, como a de 408, em Calama, na Numídia. É nessa época que acontecem na Germânia asprimeiras execuções de hereges, uma bela tradição que a igrejadesenvolverá com a Inquisição e a perpetuará até 1826.Ano de 391Uma multidão de cristãos, guiados por Santo Atanásio e SantoTeófilo, deitam abaixo o templo e a enorme estátua de Serapis, emAlexandria, duas obras-primas da antiguidade. A coleção de literatura dotemplo também é igualmente destruída.Ano de 412Cirilo, hoje Santo Cirilo, doutor da Igreja, é nomeado bispo de Alexandria e sucede a seu tio Teófilo. Excita os sentimentos anti-semitas difundidos entre os cristãos da cidade e, a frente duma multidão de cristãos, incendeia as sinagogas da cidade e fazfugir os judeus. Em seguida encoraja os cristãos a tomar os bens dos fugitivos, deixados para trás.Ano de 415Hipatia, a última grande matemática da Escola de Alexandria,filha de Theon de Alexandria, é assassinada por uma multidão de monges cristãos, incitados por Cirilo, patriarca de Alexandria, queserá depois canonizado pela Igreja. O motivo dessa ação foi que a brilhante professora de matemática, representava uma ameaçapara a difusão do cristianismo, pela sua defesa da Ciência e do Neoplatonismo. O fato dela ser mulher, muito bela e carismática, fazia a sua existência ainda mais intolerável aos olhos doscristãos. A sua morte marcou uma reviravolta: após o seu assassinato,numerosos pesquisadores e filósofos trocaram Alexandria pela Índia e pela Pérsia, e Alexandria deixou de ser o grande centro de ensino das ciências do mundo antigo. Além do mais, a Ciênciaretrocederá no Ocidente e não atingirá de novo um nível comparável ao daAlexandria antiga senão no início da Revolução Industrial. Os trabalhosda Escola de Alexandria sobre matemática, física e astronomiaserão preservados, em parte, pelos árabes, persas, indianos e também chineses. O Ocidente, pelo seu lado, mergulha no obscurantismo, do qual começará a sair mais de um milênio depois. Emreconhecimento pelos seus méritos de perseguidor da comunidade científica edos judeus de Alexandria, Cirilo será canonizado e promovido a "Doutorda Igreja", em 1882.Séculos V a XVA "Idade Média Crista". Aproveitando o desaparecimento das grandes bibliotecas romanas e na ausência quase total da atividadeeditorial na Europa, a igreja obtém, de fato, um monopólio sobre oconjunto da escrita e da informação. O povo é deixado propositadamente na ignorância, a leitura da Bíblia é desencorajada mesmo nocaso de se ter acesso a um exemplar. Pouco a pouco, a igreja impõe o seudomínio sobre a sociedade. A inquisição, o celibato dos padres (Nota 2), o caráter obrigatório de casamento antes de qualquer relaçãosexual, são todas instituições que datam dessa época. É tambémnessa época que se desenvolve o que se tornará uma das mais ricas tradições cristãs: queimar pessoas vivas. Cerca de um milhão de "bruxos"serão torrados durante a Idade Média. As cidades concorrerão paratentar bater recordes de quantidade de bruxos queimados por ano. Um recorde imbatido foi estabelecido pela cidade de Bamberg, sede do episcopado, que conseguiu assar 600 feiticeiros num só ano.Um grande número de membros da igreja atual ainda lamenta o fimdessa época, quando a igreja dominava totalmente a vida social.Religiosos (e outros) cristãos lembram com saudade, a "espiritualidade" da época, a arte que deu grande ênfase à morte - assunto quesempre apaixonou os cristãos, e a música envolvente.Ano de 804O imperador cristão Carlos Magno converte grande número desaxões, propondo-lhes a seguinte escolha: converter-se ao catolicismo ou serem decapitados. Vários milhares de cabeças caem, com abenção da igreja: os sacerdotes presentes participam da jogada do imperador.Século IXCisma do oriente. O patriarca de Constantinopla pretende que se deve utilizar o pao com levedura, para a Eucaristia. O Papa, bispo de Roma, afirma que se deve usar pão sem levedura. Com base neste problema de capital importância, a cristandade se divide, e osdois patriarcas, de Roma e de Constantinopla, se excomungam mutuamente. O Cisma vai provocar mortes até aos anos 90 (guerras nos Balcãs,ex-Iugoslávia, de católicos contra ortodoxos).Ano de 1182Os "pogroms" latinos de Constantinopla. Na cidade do piedoso patriarca que come pão levedado, estabeleceu-se, desde o iníciode século XII, uma colônia de mercadores "latinos", essencialmente originários de Veneza, Gênova, Pisa e Amalfi. Mas essas pessoastêm tudo para desagradar aos prelados ortodoxos: além de utilizarem opão sem levedura para a Eucaristia, fazem o sinal da cruz no sentido errado, da esquerda para a direita e não da direita para aesquerda! Os popes excitam a população e enfim, nos dias radiosos de maio de 1182, a multidão guiada pelos popes pegam os latinos: váriosmilhares deles, homens, mulheres e crianças são trucidados.Séculos XI e XIIEm face do crescimento da população da Europa, a Igreja propõeum método de controle populacional "natural": as cruzadas. O apeloàs cruzadas foi lançado em 1095. Em 1099 Jerusalém é"libertada": logo que as tropas cruzadas entraram na cidade, o governador muçulmano rendeu-se sob a promessa da população civil ser poupada. Claro, a totalidade da população (que compreende essencialmente judeus e muçulmanos) é passada pelas armas nas horas seguintes, mas como cuidado de antes violentar todas a mulheres e decapitar ascrianças. Estima-se em 70.000 o número de civis massacrados. A últimafase do massacre passa-se nas sinagogas e mesquitas da cidade, onde os habitantes aterrorizados se refugiaram: pensam que o caráter religioso dos locais possam inspirar os piedosos cruzados a clemência. Nada disso acontece: os cruzados entram e transformamos locais de culto em vastas carnificinas. O massacre de milhares de civis amontoados na grande mesquita da esplanada do templo dura várias horas. "Tudo o que respira" na cidade foi morto, informamcom orgulho os comandantes dos cruzados.Ano de 1204A 4ª Cruzada fez uma parada em Constantinopla, na época a maior cidade cristã. Mas os cristãos sabem fazer entre eles o quefazem aos outros: durante três dias, Constantinopla foi posta a saque, comuma orgia de violências indescritíveis.Anos de 1208 a 1244Cruzada dos Albigences: por iniciativa do papa Inocêncio III, uma cruzada é preparada. Em 1209, como alguns "hereges" se haviam misturado com a população de Beziers, o duque Simon de Monfort deu uma ordem que lhe assegurou a posteridade: "Matem-nos todos, Deus reconhecerá os seus". Toda a população, homens, mulheres ecrianças são passados pelas armas. A Provence e a região de Toulouseficam muito despovoadas após essa guerra que é dirigida contra apopulação civil, com uma ferocidade sem precedentes desde as invasõesbárbaras.Anos de 1226 a 1270Luís IX, rei de França. Finalmente um católico, dereputação piedosa e íntegra, acede a coroa de França. A igreja o canoniza em1290, em reconhecimento de seus méritos que, ninguém duvida serem excepcionais. De fato, durante o seu reinado, São Luís lançaduas cruzadas, que terminam as duas de modo catastrófico: poucoimporta, é a intenção (de matar e de pilhar) que conta, aos olhos da misericordiosa igreja católica! No plano interno, São Luís(Nota 3) faz de modo que a justiça puna de modo sistemático osblasfemadores: são postos nos pelourinhos e tem as suas línguas atravessadaspor ferros em brasa.Ano de 1231Fundação da Inquisição. O Santo Ofício, durante toda a suahistória, queimou mais de um milhão de pessoas, essencialmente hereges,judeus e muçulmanos convertidos e também os "bruxos". A últimafeiticeira será queimada em 1788. O último "herege" chegará a sua vezem 1826. A inquisição e os seus imitadores protestantes queimam tambémmédicos e cientistas, desde que haja uma oportunidade.A igreja nunca se arrependeu dos atos da Inquisição e atégarantiu a continuidade histórica da instituição até aos nossos dias,limitando-se apenas a mudar-lhe o nome: será necessário esperar que PioX, em 1906, faça que o "Santo Ofício da Inquisição" seja renomeado como "Santo Ofício", e em 1965, para que seja rebatizado como "Congregação para a doutrina da fé". Enfim em 1997, o papaabre os arquivos do Santo Ofício, e historiadores escolhidos a dedo,são autorizados a fazer pesquisas. As estimativas do número total de vítimas da inquisição são então revistas para cima,havendo um consenso que roda hoje em torno de um milhão de pessoasexecutadas, ao qual é necessário acrescentar as inúmeras pessoastorturadas e com todos os seus bens apreendidos.Ano de 1251O papa Inocêncio IV autoriza enfim a inquisição a praticar atortura. A obtenção das confissões de culpa é grandemente facilitada.A inquisição pode aplicar, com base em confissões arrancadasatravés de tortura, penas indo duma simples oração ou dum jejum até a confiscação dos bens e mesmo prisão perpétua. Mas ela nãopode condenar a morte. Com a subtileza característica da igrejacatólica, a inquisição podia "passar" um herege para a justiça comum, queo levará a morte na fogueira, com base na confissão obtida pelaigreja, mesmo com tortura. Essa subtilidade permitirá a igreja afirmar que ela nunca matou ninguém.Anos 1347 a 1354Em toda a Europa reina a Morte Negra, a primeira grande epidemia de peste no continente. Os prelados católicos logo descobriram os culpados: os judeus teriam envenenado os poços de água. Esseboato espalha-se por toda a Europa e inúmeros "pogroms" acontecem. Na Alemanha contam-se 350 comunidades judias totalmente destruídas pelos "pogroms", nesse período. Na Itália, em Milão, asautoridades civis e eclesiásticas, depois de terem executado no braseiro os "untori" judeus, inauguraram uma coluna comemorativa para lembrar o seu feito. Essa coluna passou a História com o nome de "Coluna infame", quando, no século XIX , o romancista Manzoni teve, em primeira mão, a coragem de denunciar esse monumento deperversão religiosa.Ano de 1483Tomás de Torquemada é nomeado Grande Inquisidor de Castela.Esse monge dominicano (Nota 4) faz uma ampla utilização da tortura e do confisco dos bens das vítimas. Estima-se em 20.000 o número de pessoas queimadas durante o seu mandato.Ano de 1487Dois monges dominicanos alemães, Jacob Sprenger e HeinrichInstitoris publicam o "Malleus Malleficarum": trata-se dum espesso volume de 400 páginas que é um guia (claro que aprovado pela hierarquiacatólica) de caça às bruxas. Lá se pode aprender a identificá-las(p. ex. se uma mulher acariciar um gato preto e a centenas de metros alguémse sentir mal, etc), a torturá-las para as fazer confessar, e como os inquisidores podem se absolver mutuamente, depois duma sessão de tortura. A obra afirma também que negar a existência dafeitiçaria é uma heresia muito grave, passível de morte na fogueira. Durantedois séculos e meio, na Alemanha, depois da publicação do Malleus Malleficarum, negar a bruxaria podia levar ao braseiro. O manual foi um "best-seller".Ano de 1492O rei "muito católico" e a rainha "muito católica" (títulosdados pelo papa em pessoa!) de Espanha, expulsam os judeus. Eles podem escolher se converter, para então poderem ser justiçados pela inquisição (que queimará grande número deles) ou partir.Mais de 160.000 judeus saíram da Espanha. A hierarquia católica nãofica indiferente a essa medida duma crueldade assustadora: ela aprova a medida, e o papa encoraja os outros soberanos europeus a se inspirarem no exemplo espanhol. Em toda a Europa os padrescatólicos se mobilizam para obrigar os governos a proibir a entrada dos judeus expulsos.Os judeus que escolheram se converter são perseguidos pelainquisição com uma impressionante determinação: até ao século XVIII,far-se-á o "Teste da banha de porco" aos judeus convertidos e seus descendentes: uma salada com pedaços de carne e banha de porcoé apresentada ao "convertido". Se for notado que ele não comeu acarne suína, será queimado como "falso convertido". Esse métodoserá também aplicado aos muçulmanos e seus descendentes.Se a expulsão dos judeus de Espanha foi a maior do gêneroregistrada na História, não foi a primeira. Na França, os preladoscatólicos tinham já conseguido a expulsão dos judeus em 1306, e que foilogo revogada, antes de ser confirmada em 1394. A Inglaterra já tinha procedido à expulsão em 1290. Em 1496, Portugal imita o seupoderoso vizinho, expulsando também os judeus.Ano de 1493O primeiro índio da América no paraíso. QuandoCristóvão Colombo, que teve o cuidado de levar um monge nas bagagens, chega a América,ele encontra os índios que ele descreverá como gente amigável esolícita. Prende 12 deles e os leva para Espanha. Na chegada, um deles fica doente: antes da sua morte, é batizado rapidamente, o que permitea corte dos muito católicos reis exultar, porque um indígena doNovo Mundo acabava de entrar no paraíso cristão. Esta tristehistória marcará o início da trágica cristianização dos índiosamericanos, onde os episódios dos redutos do Paraguai e as perseguições aos índios Pueblo serão alguns dos mais trágicos.[A evolução desencadeada pelos descobrimentos percorreu caminho semeado de crimes e atrocidades: conquista sangrenta e colonização das Américas, genocídio de povos e de culturas, tráfico de12 milhões de africanos, imperialismo na África e Ásia. Não obstante, oprocesso posto em marcha pelas descobertas rompeu, de uma vez por todas, a falta de contato e conhecimento entre civilizações e culturas.Tudo feito com apoio da "santa igreja católica"]Ano de 1499Acontece neste ano o maior "auto da fé", que a Históriaregistra. Em um só auto de fé, o inquisidor Diego Rodrigues Lucero queimavivos nada menos que 107 judeus convertidos ao cristianismo, em Córdova.Século XVIO drama dos castrados. A igreja, que tinha proibido que mulheres cantassem no coral das igrejas, enfrenta um problema trágico: como não torturar os ouvidos dos piedosos prelados de cristo,privando-os das vozes sopranas, tão importantes nos coros para louvar o amor a deus? Uma solução bárbara é encontrada: castrar jovensmeninos cuja voz tenha sido considerada bela. Nos corais da Santa Igrejacatólica não faltarão assim nunca os sopranos e contraltos...Esta prática bárbara só terminará em 1878, por ordem doPapa Leao XIII. Mas é mantida ainda durante o século XIX, ao ponto deRossini, quando ele compôs a "Pequena missa solene", escrever, com naturalidade, que serão suficientes para executá-la, "um pianoe uma dúzia de cantores dos três sexos, homens, mulheres e castrados".Ano de 1506"Pogrom" de Lisboa: 3000 judeus são trucidados pelos piedosos católicos, incitados pelos prelados.Século XVIJúlio II della Rovere, papa. Hábil chefe militar, ele veste uma armadura durante a missa, quando um monge insolente lhe diz que o traje não é conveniente. "Quando se trata de conquistar terras,deus não faz questão do traje, mas da fé do seu servidor", lheresponde, passando assim a História. Deus lhe permitiu, de fato, conquistara cidade de Bolonha, que foi, como deveria, posta a saque.Ano de 1521Inspirado pelo Espírito Santo, que aparentemente não tinha quefazer, um monge alemão, Martin Luther, traduz do latim o "NovoTestamento", em algumas semanas. O diabo acaba de o tentar: Lutero não encontra coisa melhor a fazer do que lançar sobre ele um tinteiro, que sujaa parede. Essa mancha está religiosamente preservada para osturistas do castelo de Wartburg.O acontecimento pareceria insignificante. Mas não é, pois ele inaugura o maior cisma da cristandade: durante os séculosseguintes, os cristãos vão-se massacrar mutuamente ainda com maisentusiasmo do que quando eles matavam e queimavam os não-cristãos, oshereges, as bruxas, os judeus e muçulmanos convertidos, etc.Lutero escreverá e dirá diversas vezes que era necessárioqueimar as sinagogas e escorraçar os judeus das cidades: ele se situa assim dentro da tradição dos pais da igreja católica, e que serámantida até ao século XIX pela inquisição e depois no século XXpelos camisetas negras (seguidores de Mussolini).Ano de 1527Saque de Roma. Os soldados protestantes massacram a totalidade da população de Roma, umas 40.000 almas, e pilham a cidade. O papaé salvo pelos guardas suíços. Ele se fecha com eles no Castelo deSanto Ângelo, enquanto a população é massacrada. Ele passou umgrande medo. Os suíços ganham assim uma fama profissional no estrangeiro, o quese perpetua até hoje.Ano de 1553Calvino, que condena os excessos da Igreja Católica, faz decapitaro livre-pensador e médico Michel Servet, que havia descoberto a circulação sanguínea. Esse é somente um dos 15 hereges que o reformador fez executar durante a sua ditadura sobre Genebra.Calvino tem um papel muito ativo na prisão e depois nacondenação a morte de Michel Servet. Primeiro ele troca correspondência com elee depois que o médico, fugindo da inquisição, chega a Genebra,manda-o prender. Calvino havia dito a seu amigo, o reformador Farel, que se Servet entrasse em Genebra, de lá não sairia vivo. Ele mantevea sua promessa e interveio pessoalmente no julgamento pedindo a sua execução. A única clemência dada a Servet foi dedecapitá-lo em vez de ser queimado vivo.Ano de 1571A invenção da imprensa permite que um número crescente depessoas se informe. A igreja reage criando o Índex (Index Additus Librorum Prohibitorum): essa instituição editava regularmente a lista dos livros proibidos. A última edição do índex foi publicada em1961.Anos de 1566 a 1572Pio V, papa. Este santo da igreja católica, vangloria-sepublicamente diversas vezes de ter, durante a sua carreira de inquisidor, colocado fogo com suas próprias mãos de mais de 100 fogueiras de heregesque ele mesmo acusara, confundira e condenara.Publica também uma nova edição do catecismo oficial da igreja,no qual o amor ao próximo e a misericórdia ocupam um lugarimportante.Anos de 1547 a 1593Guerras de religião na França. As sub-seitas cristãsentregam-se a uma guerra civil sem perdão, interrompida por diversas pazes e tréguas temporárias. Durante uma delas, teve lugar o massacrede 20.000 protestantes, homens, mulheres e crianças, numa sónoite, a tristemente célebre Noite de S. Bartolomeu (1572).Fim do século XVI até ao início do século XVIIIConversão forçada dos índios Pueblo. Subindo pela costa dogolfo do México, os exploradores espanhóis, sempre acompanhados demonges e padres, entram em contato com a tribo dos Pueblo, no territórioque hoje pertence ao estado americano do Novo México: diferentes dos índios nômades das planícies do Norte e de outrosindígenas mais combativos que os espanhóis encontraram no México e naAmérica do Sul, os índios Pueblo vivem em aldeias (los pueblos) de casas de tijolos com 2 ou 3 andares, são pacíficos e praticam aagricultura. Seguem uma religião na qual se venera o "Pai do Céu" e a "TerraMae", temem os demônios (os Skinnwalkers) que andam pela crista das montanhas ao pôr do sol, veneram os corvos como re-encarnaçãodos seus antepassados. Eles tem também um rico templo de deuses semelhantes aos dos gregos, sendo o seu deus principal a mulher-aranha. As cerimônias são celebradas em pequenas igrejasfamiliares, as Kivas. Estes pacíficos agricultores logo se tornam os objetosdas atenções dos padres espanhóis, impacientes por substituir oculto ao Pai Céu e à Mãe Terra por aquele de cujo deus se bebe osangue durante as cerimônias: os pajés índios são acusados debruxaria e executados. As Kivas são destruídas pelos militareshispânicos. Os cultos religiosos tradicionais são proibidos, sob pena demutilação. Índios surpreendidos a celebrar uma cerimônia tradicionalterão um braço ou um pé cortados. Apesar disso tudo, alguns índioscontinuarão a fazer os seus cultos, em segredo e a noite. Os padres católicos usarão esse fato nos seus sermões e que os índios ainda hojecitam com amargura: os padres diziam que a religião dos índios era adas trevas, pois era sempre feita durante a noite, enquanto que o cristianismo era a religião da luz, pois se come a carne e se bebeo sangue do deus cristão em pleno dia... Diversas revoltassangrentas pontuam a cristianização dos Pueblo. Essa perseguição religiosasó cessará depois da anexação do território pelos EUA, em 1847.Ano de 1600Giordano Bruno é queimado vivo em Roma, condenado por heresia. Ele havia ousado definir o Universo como infinito e admitido ahipótese da existência de formas de vida fora da Terra. Era demais para a igreja. Depois de 8 anos de processo, durante o qual lhe são arrancadas confissões, sob tortura, ele é condenado a morte como "herege obstinado e ímpio". Ele se defende tentando mostrarque as suas idéias não estão em contradição com as doutrinascristãs, mas em vão. Ele foi queimado vivo, em público, em Roma, no Campodei Fiori. Tiveram o cuidado de lhe cortar a língua antes de o enviarao local da execução, para evitar todo o risco de que as suaspalavras não emocionassem a multidão que veio assistir ao espetáculo.O seu principal acusador, o cardeal Bellarmino, será mais tardecanonizado e em 1930, proclamado "Doutor da Igreja".É interessante notar que, se no caso de Galileu, a igrejacatólica expressou o seu arrependimento no fim do séc. XX, com a sua reabilitação em 1992, nunca se arrependerá da execução deBruno. Pelo contrário, ela se opôs com veemência a instalação dumaestátua de Giordano Bruno, em 1889. Em 1929, o papa pediu a Mussolini para que destruísse essa estátua, antes de canonizar e depois nomear"Doutor da igreja" o cardeal Roberto Bellarmino, acusador de Giordano Bruno.Ano de 1609Expulsão dos mouros de Espanha. Depois da expulsão dos judeusde Espanha, a inquisição se aborrecia um pouco nesse belo país.Lança então a caça aos "morescos", os árabes convertidos aocristianismo. Há a suspeita de serem falsos convertidos e são executadostodos os que se recusam a beber vinho ou comer carne de porco, ou que sejam limpos demais. Com efeito, o Islamismo, contrariamente ao cristianismo, prescreve lavagens periódicas. A higiene nunca foitão perigosa como no séc. XVI em Espanha! Enfim, em 1609, temendotalvez ter deixado passar alguns falsos convertidos, a inquisiçãoconsegue do rei a expulsão dos "morescos" para o Norte da África. Onúmero dos expulsos é mal conhecido: as estimativas variam entre 300.000 e 3.000.000. Os expulsos chegam a terras islâmicas, onde o Corãoprevê a pena de morte para os que renegaram Maomé...Ano de 1633Processo de Galileu. Por ter duvidado da teoria geocêntrica de Ptolomeu, (que diga-se de passagem, não era cristão), GalileoGalilei é obrigado a retratar-se: são-lhe mostrados os instrumentos de tortura que seriam usados se ele insistisse. O processo de Galileusó foi reaberto para revisão pelo papa João Paulo II, e Galileué reabilitado em 1992.As suas obras já tinham sido colocadas no Índex em 1616.Passará o resto da sua vida confinado na sua casa (prisão domiciliar). Foi a sua reputação internacional de cientista que lhe evitouconseqüências mais graves.Ano de 1618 a 1648Guerra dos 30 anos. Os muito católicos reis de Habsbourg,forçam a conversão dos seus súbditos protestantes da Boêmia,iniciando a maior guerra que o continente europeu tinha conhecido. A população da Alemanha é reduzida à metade. Numerosas cidades sãodevastadas. Epidemias de peste assolam toda a Europa Central, desde a Lombardia até a Prússia.Trata-se realmente duma guerra religiosa, embora as igrejas tenham tentado fazer crer que se tratava dum conflito político: a guerra iniciou-se por conflitos religiosos e pela ação de reisestrangeiros, como Gustavo II da Suécia, que intervieram por razoes deconvicção religiosa. O caso de Gustavo II é particularmente significativo,pois obrigava os seus soldados a cantarem canções religiosas todas as noites, embora eles fossem uns terríveis saqueadores. Oexército sueco ganhou o título de "Schrecken des Krieges", pelapopulação alemã, que teme a pilhagem dos suecos ainda mais do que as feitas pelos exércitos dos Habsbourg.Segunda metade do séc. XVIIIO assunto das missões do Paraguai. Este caso é particularmente interessante, pois aqui os católicos se massacram e se excomungam entre eles. Os jesuítas haviam estabelecido no Paraguai um pequeno império particular feito de missões (redutos), ou seja pequenas aldeias fortificadas na floresta, onde viviam os índiosconvertidos ao cristianismo, mas uma correção das fronteiras coloca algunsdesses redutos em território português. Nestas correções osíndios eram obrigados a seguir as normas ditadas pelos jesuítas. Ora,Portugal, país católico e cristão, mantém na época a tradiçãoda escravatura: os portugueses pensam então roubar aos jesuítas os índiospara depois vende-los como escravos.O papa intervém, excomunga os jesuítas das missões. Depois,um exército, com os canhões e espadas benzidas pelos padres deserviço, ataca as missões, massacra os jesuítas e toma os índios como escravos. Um Te Deum solene celebra a vitória, como deve.Pouco depois o papa interdita a ordem dos jesuítas, culpada de ser muito inteligente e racional, e sobretudo de não ter servido com lealdade a família de Bourbon, reis de França e de Espanha,monarcas absolutos e grandes amigos da igreja católica.Ano de 1766Em pleno século das luzes, um jovem de 19 anos, o Cavaleiro de la Barre, passa "a vinte passos duma procissão, sem tirar ochapéu". É preso e torturado. Finalmente é decapitado depois de lhe terem cortado a língua. O seu corpo é depois colocado sobre umafogueira e queimado junto com um exemplar do Dicionário Filosófico deVoltaire, diante duma multidão entusiasmada.Ano de 1788No Cantão de Glaris, na Suíça, os católicos afirmam que "aúltima bruxa foi queimada", porém, esta execução da Inquisiçãonão foi a última, continuar-se-á queimando hereges até 1826.Ano de 1793Kant, professor de Filosofia em Konigsberg e estrela internacional da filosofia moderna, depois da publicação da "Crítica da RazãoPura", publica "A religião nos limites da Razão", onde ele coloca as doutrinas cristãs a prova do raciocínio e do "imperativocategórico". É demais para os piedosos reis da Prússia, que empurrado pelos prelados protestantes, intervém e Kant é forçado aretratar-se publicamente, sob pena de perder imediatamente o seu posto na universidade de Konigsberg. Todos os professores universitáriossão obrigados a assinar, sob pena de dispensa imediata, um documento onde prometem não citar os ensinamentos de Kant com relação areligião. Como no caso de Galileu, a fama internacional de Kant o salva de conseqüências mais severas. Kant ainda pensa em se exilar, masneste fim de século, há poucos céus clementes para pensadores queousaram criticar aspectos da ideologia cristã. Assim acabará os seusdias em Konigsberg.Ano de 1826O último herege é queimado vivo, pela inquisição espanhola.Uma rica tradição cristã termina. Daí para a frente, a igrejarecorrerá a meios mais sutis para matar, como proibir a assistência a mulheres que devem abortar, sabotando o planejamento familiar nos países pobres, proibindo os preservativos como modo de lutar contra a Aids, etc.Ano de 1847Guerra do Sonderbund. A Suíça é dilacerada por uma guerrareligiosa. Os cantões católicos, cujos governos estão muitoinfluenciados pelos conselheiros jesuítas, fundam uma aliança militar - oSonderbund, que exige a anexação aos cantões católicos de regiõesmajoritariamente protestantes. Chamam os monarcas católicos da Áustria em seuauxílio, depois iniciam as hostilidades. Somente uma vitória rápida dastropas federais/protestantes permitiu evitar uma intervençãoaustríaca, que levaria a um conflito de extensão européia.Os protestantes por seu lado, encetam uma feroz "Caça aoscatólicos", nos campos de Genebra.Os jesuítas, considerados responsáveis pela guerra, sãoexpulsos da Suíça, e essa expulsão valerá até 1970.Ano de 1848A população de Roma revolta-se contra a ditadura papal. O papaé expulso. Volta ao poder em 1849, devido a ação das tropasfrancesas enviadas por Luís Napoleão Bonaparte, presidente darepública francesa. Os opositores são fuzilados. O Estado da Igreja volta aser uma monarquia absoluta, cujo soberano é o papa.Ano de 1871O papa excomunga todo aquele que participar de qualquer eleição do estado italiano, que é classificado como "diabólico", porqueretirou aos papas o seu poder temporal. Essa sentença de excomunhão automática não impedirá o papa de abençoar, alguns anosdepois, a fundação do "Partito Populare", de inspiração católica efundado por um padre.Ano de 1881Os "Pogroms" russos começam. Incitados pelos prelados ortodoxos,que difundiram um boato que o Czar Alexandre II teria sido assassinado por um judeu, multidões se juntam em mais de 200 cidades russas e destroem os bens dos judeus. Os pogroms tornar-se-ão comuns na piedosa Rússia Czarista, sobretudo entre 1908 e 1917. O maisviolento dentre eles teve lugar em Kishinev, em 1913: as autoridades civis e religiosas da cidade incitam a multidão que ataca violentamente os judeus. durante dois dias a multidão mata 45 judeus, fere 600 epilha 1500 casas. Claro que os responsáveis (popes e políticos) nuncaserão incomodados pela justiça.Ano de 1889Numa Roma livre do jugo papal, no dia 9 de junho, é inaugurada a estátua de Giordano Bruno, no Campo das Flores. O papa LeãoXIII, sofredor, passará o dia todo de jejum aos pés da estátua deS. Pedro. A imprensa católica dispara: fala de "orgia satânica",descrevendo a manifestação da inauguração, o "triunfo da sinagoga, dos arquibandidos da Maçonaria, dos chefes do liberalismodemagógico", "o máximo da ignorância e da malignidade anti-clerical".Anos de 1918 a 1945Os anos do compromisso. A igreja católica apóia ativamente o crescimento dos totalitarismos na Europa. Na Áustria, o seu apoioao Austro-Fascismo é total. Na Itália, ela assina com o regimefascista uma concordata que faz do catolicismo a religião de estado: os italianos podem de novo votar sem serem excomungados, pena que isso de pouco serve em período de ditadura. A igreja sacrifica emgrande parte as suas próprias associações: todas, exceto a AçãoCatólica, devem integrar as organizações fascistas. O Vaticano promete a Mussolini fazer com que a AC não se deixe tentar por ações antifascistas.Em 1929, Mussolini, depois de ter assinado a concordata dita "Patti Lateranensi", é qualificado pelo papa como "o homem daprovidência". Em 1932, o ditador recebe das mãos do papa, a Ordem da Espora de Ouro, que é a mais alta distinção concedida pelo Estado doVaticano.Essa bela harmonia vai resistir mesmo ao momento de tensão causado pela estátua de Giordano Bruno. O papa aproveita a concordata para pedir ao seu amigo ditador que destrua a estátua erigida em 1889.O ditador, que tem um filho com o nome de Bruno, toma a defesa do livre-pensador e declara a Câmara de Deputados "A estátua de Giordano Bruno, melancólica como o destino desse monge, ficará onde elaestá. Tenho a impressão que seria se encarniçar contra essefilósofo que, se equivocado e persistiu no erro, no entanto já pagou". Paramostrar que não se arrepende de nada, a igreja canoniza então Roberto Bellarmino, o acusador de G. Bruno, nomeando-o "Doutor da Igreja".Na Alemanha, em janeiro de 1933, o Zentrum, partido católico, cujo líder é um prelado católico (Pralat Kaas), vota plenospoderes para Hitler: este último pode assim atingir a maioria de dois terços necessária para suspender os direitos garantidos pelaConstituição. Com uma caridade toda crista, o bom prelado aceita também fecharos olhos para os discutíveis processos nazistas, como a prisão dos deputados comunistas antes da votação. Depois a igreja começa a negociar uma nova concordata com a Alemanha: nesse cenário, ela sacrifica o Zentrum, então o único partido significativo que os nazistas não tinham proibido. Na realidade ele tinha-o ajudado a chegar ao poder. Em 5 de julho de 1933, o Zentrum se dissolve sob solicitação da hierarquia católica, deixando o caminho livrepara o NSDAP de Hitler, então partido único.Hitler declara-se católico no "Mein Kampf", o livro onde eleanuncia o seu programa político. Também afirma que está convencidoser ele um "instrumento de deus". A igreja católica nunca colocou no seu Índex o "Mein Kampf", mesmo antes da ascensão de Hitler aopoder. Podemos acreditar que o programa anti-semita do futuro chancelernão desagradava a igreja. Hitler mostrará o seu reconhecimentotornando obrigatória uma prece a Jesus nas escolas públicas alemãs, e reintroduzindo a frase "Gott mit uns" (Deus está conosco) nos uniformes do exército alemão.Em 1938, as SS e SA organizam a "Noite de Cristal": com trajes civis, os milicianos nazistas atacam sinagogas e lojas pertencentes a judeus. A população alemã está horrorizada e aterrorizada. Obispo de Freiburg, monsenhor Gröber, declara então, em resposta asperguntas sobre as leis racistas e os pogroms da noite de cristal: "Nãopodemos recusar a ninguém o direito de salvaguardar a pureza da suaraça e de elaborar medidas necessárias a esse fim". Na Espanha, um general tenta um golpe de estado militar, que aborta mas degenera em guerra civil. A igreja o apoia, padres e bispos benzem os canhões deFranco, celebram com muita pompa Te Deum pelas suas vitórias contra ogoverno republicano legítimo. A guerra faz mais de um milhão de mortos,e Franco fuzila todos os prisioneiros. Franco se mostraráreconhecido por seus piedosos aliados, nomeando diversos membros da Opus Dei para o seu governo. A influência da Opus Dei crescerá ao longo daditadura franquista, ao ponto de se chegar a mais de metade dos ministros serem membros dessa venerável instituição católica.Na França, a igreja declara, desde 1940, que "Petain é aFrança": ela prefere de fato o Trabalho-Família-Pátria ao do estadofrancês que prega a Liberté-Égalité-Fraternité da República, quesempre a horrorizaram.Durante a 2ª guerra mundial, o Vaticano estava ciente doextermínio dos judeus pelos nazistas. Saber-se-á, após a guerra, que opapa diversas vezes esteve para fazer um pronunciamento público, masque finalmente se absteve essencialmente pela sua comunistofobia e achando que uma vitória russa seria "pior". No entanto ele chorouem 1942, junto as ruínas de Roma, bombardeada pelos aliados.Também ele se esquece de mencionar que o seu aliado político Mussolini tinha solicitado a Hitler para ter "a honra de participar dos bombardeamentos sobre Londres", é verdade que o papa nao habitavaem Londres...Anos de 1948O papa declara que todo aquele que votar nos comunistas ou que ajudar esse partido de qualquer maneira, será automaticamenteexcomungado. Essa medida divide as famílias, provoca exclusões socialmente intoleráveis para muitos e obriga a clandestinidade de numerosos comunistas nas zonas rurais.Os curas italianos apressaram-se a traduzir essa decisao em fatos, e pedem que as suas ovelhas votem no grande partido anticomunista (DC - Democrazia Cristiana). O partido DC vai-se afundar logo em seguida na corrupção generalizada nos anos 90.Anos de 1961Última edição do índex (Índex Additus LibrorumProhibitorum), que cita como autores cujas obras são proibidas de leitura pelos católicos entre outros: Jean-Paul Sartre, Alberto Moravia,André Gide.Anos 80Depois de um período de aparente liberalização, o papa JoãoPaulo II chega a cabeça da maior seita do mundo e rende-se às maisterríveis tradições da igreja.A sua condenação do preservativo, como modo de luta contra a Aids, provoca um grande número de mortos, difícil de estimar. Praticauma política ativa de sabotagem às medidas de controle danatalidade no terceiro mundo. As consequências são difíceis decontabilizar, mas podem-se medir em termos de fome, miséria, criminalidade e faltade assistência médica nos continentes mais pobres - América doSul e África. Na sua caça aos hereges, o papa suspende "A divinis",dois teólogos alemães que tinham ousado duvidar, um dainfalibilidade papal e outro da imaculada concepção de Maria.Anos 90: guerras de religião na IugosláviaA Iugoslávia era, nos anos 80, uma das terras favoritas paraférias em balneários dos europeus. A publicidade iugoslava da épocavendia o caráter multireligioso do país como um argumento turístico,pois se podia ver em Mostar e em outras belas cidades, as mesquitas e as igrejas lado a lado. Mas o país se afundou numa série deguerras civis que se querem descrever como guerras "étnicas", quando na verdade se trata de guerras religiosas. O caso da guerra daCroácia é o mais flagrante. Sérvios e croatas tem a mesma origem étnica eaté a mesma língua, o Croata-servo. O mais irônico é que ocroata-servo (servo-croata, escrito em caracteres latinos), é hoje a língua oficial dos soldados do exército Iugoslavo que combateu em Kosovo contra a OTAN, depois de ter lutado contra os croatas no iníciodos anos 90. Mas a religião separa os croatas dos Sérvios: oscroatas foram cristianizados por Roma e sao católicos. Os sérvios foram cristianizados pelos bizantinos e sao ortodoxos. Quando Milosevitch começa a agitar o espectro da "Grande Sérvia", a Croáciadeclara a independencia. Imediatamente o Vaticano e a R. F. da Alemanha cujo chanceler se declarava um católico convicto, reconhecem aCroácia católica como estado independente. O Vaticano mandou para todo o mundo anúncios para que os países reconhecessem o novo estado católico. O papa multiplica os apelos, as preces e as missas pela independência da Croácia. Durante esse tempo, o ditador croata, antigo oficial superior do regime comunista e também católico praticante, deu férias para todos os seus funcionáriosortodoxos, isto é, sérvios. Depois escolheu como bandeira nacional aantiga insígnia dos Oustachis, que entre 1940 e 44 tinham praticado um genocídio de cerca de 600.000 sérvios. A guerra civiliniciou-se.Finalmente termina essa guerra, e o papa beatifica o cardeal Stepinac que havia qualificado Ante Palevitc, o ditador Oustachi durante a ocupação de 1940/44, de "Dom de deus", para a Croácia e o havia apoiado ativamente.A guerra da Iugoslávia continuou depois na Bósnia, onde osmembros dos tres grupos religiosos (ortodoxos, muçulmanos e católicos)se enfrentaram em uma série de combates triangulares, tendo apopulação civil como a principal vítima. Depois a guerra passou para oKosovo, província agrícola sem interesse estratégico, e todossabemos o que se passou.As guerras da Iugoslávia são um caso emblemático dacatastrófica intolerância que é típica das religiães "reveladas": ascomunidades religiosas se enfrentam, neste final de século, em nome dereligiões que elas receberam dos acasos da expansão dos diversos impérios (Romano, Bizantino e Otomano) desde a idade-média.

Fabiano Oliveira
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Monday, September 12, 2005

O Amor é uma Falácia

http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/amorfalacia.htm


O Amor é uma Falácia
M. Sulman
Eu era frio e lógico. Sutil, calculista, perspicaz, arguto e astuto - era tudo isso. Tinha um cérebro poderoso como um dínamo, preciso como uma balança de farmácia, penetrante como um bisturi. E tinha - imaginem só - dezoito anos.
Não é comum ver alguém tão jovem com um intelecto tão gigantesco. Tomem, por exemplo, o caso do meu companheiro de quarto na universidade, Pettey Bellows. Mesma idade, mesma formação, mas burro como uma porta. Um bom sujeito, compreendam, mas sem nada lá em cima. Do tipo emocional. Instável, impressionável. Pior do que tudo, dado a manias. Eu afirmo que a mania é a própria negação da razão. Deixar-se levar por qualquer nova moda que apareça, entregar a alguma idiotice só porque os outros a segue, isto, para mim, é o cúmulo da insensatez. Petey, no entanto, não pensava assim.
Certa tarde, encontrei-o deitado na cama com tal expressão de sofrimento no rosto que o meu diagnóstico foi imediato: apendicite.
- Não se mexa. Não tome laxante. Vou chamar o médico.
- Couro preto - balbuciou ele.
- Couro preto? - disse eu, interrompendo a minha corrida.
- Quero uma jaqueta de couro preto - disse.
Percebi que o seu problema não era físico, mas mental.
- Por que você quer uma jaqueta de couro preto?
- Eu devia ter adivinhado - gritou ele, socando a cabeça - Devia ter adivinhado que eles voltariam com o Charleston. Como um idiota, gastei todo o meu dinheiro em livros para as aulas e agora não posso comprar uma jaqueta de couro preto.
- Quer dizer - perguntei incrédulo - que estão mesmo usando jaquetas de couro preto outra vez?
- Todas as pessoas importantes da universidade estão. Onde você tem andado?
- Na biblioteca - respondi, citando um lugar não freqüentado pela pessoas importantes da Universidade.
Ele saltou da cama e pôs-se a andar de um lado para o outro do quarto.
- Preciso conseguir uma jaqueta de couro preto - disse, exaltado - Preciso mesmo.
- Por que, Pety? Veja a coisa racionalmente. Jaquetas de couro preto são desconfortáveis. Impedem o movimento dos braços. São pesadas, são feias, são ...
- Você não compreende - interrompeu ele com impaciência - é o que todos estão usando. Você não quer andar na moda?
- Não - respondi, sinceramente.
- Pois eu sim - declarou ele - daria tudo para ter uma jaqueta de couro preto. Tudo.
Aquele instrumento de precisão, meu cérebro, começou a funcionar a todo vapor.
- Tudo? - perguntei, examinando seu rosto com olhos semicerrados.
- Tudo - confirmou ele, em tom dramático.
Alisei o queixo, pensativo. Eu, por acaso, sabia onde encontrar uma jaqueta de couro preto. Meu pai usara um nos seus tempos de estudante; estava agora dentro de um malão, no sótão da casa. E, também por acaso, Petey tinha algo que eu queria. Não era dele, exatamente, mas pelo menos ele tinha alguns direitos sobre ela. Refiro-me à sua namorada, Polly Spy.
Eu há muito desejava Polly Spy. Apresso-me a esclarecer que o meu desejo não era de natureza emotiva. A moça, não há dúvida, despertava emoções, mas eu não era daqueles que se deixam dominar pelo coração. Desejava Polly para fins engenhosamente calculados e inteiramente cerebrais.
Cursava eu o primeiro ano de direito. Dali a algum tempo, estaria me iniciando na profissão. Sabia muito bem a importância que tinha a esposa na vida e na carreira de um advogado. Os advogados de sucesso, segundo as minhas observações, eram quase sempre casados com mulheres bonitas, graciosas e inteligentes. Com uma única exceção, Polly preenchia perfeitamente estes requisitos.
Era bonita. Suas proporções ainda não eram clássicas, mas eu tinha certeza de que o tempo se encarregaria de fornecer o que faltava. A estrutura básica estava lá.
Graciosa também era. Por graciosa quero dizer cheia de graças sociais. Tinha porte ereto, a naturalidade no andar e a elegância que deixavam transparecer a melhor das linhagens. Á mesa, suas maneiras eram finíssimas. Eu já vira Polly no barzinho da escola comendo a especialidade da casa - um sanduíche que continha pedaços de carne assada, molho, castanhas e repolho - sem nem sequer umedecer os dedos.
Inteligente ela não era. Na verdade, tendia para o oposto. Mas eu confiava em que, sob a minha tutela, haveria de tornar-se brilhante. Pelo menos valia a pena tentar. Afinal de contas, é mais fácil fazer uma moça bonita e burra ficar inteligente do que uma moça feia e inteligente ficar bonita.
- Petey - perguntei - você ama Polly Spy?
- Eu acho que ela é interessante - respondeu - mas não sei se chamaria isso de amor. Por quê?
- Você - continuei - tem alguma espécie de arranjo formal com ela? Quero dizer, vocês saem exclusivamente um com o outro?
- Não. Nos vemos seguidamente. Mas saímos os dois com outros também. Por quê?
- Existe alguém - perguntei - algum outro homem que ela goste de maneira especial?
- Que eu saiba não. Por quê?
Fiz que sim com a cabeça, satisfeito.
- Em outras palavras, a não ser por você, o campo está livre, é isso?
- Acho que sim. Aonde você quer chegar?
- Nada, anda - respondi com inocência, tirando minha mala de dentro do armário.
- Onde é que você vai? - quis saber Petey.
- Passar o fim de semana em casa.
Atirei algumas roupas dentro da mala.
- Escute - disse Petey, apegando-se com força ao meu braço - em casa, será que você não poderia pedir dinheiro ao seu pai, e me emprestar para comprar uma jaqueta de couro preto?
- Posso até fazer mais do que isso - respondi, piscando o olho misteriosamente. Fechei a mala e saí.
- Olhe - disse a Petey, ao voltar na segunda feira de manhã. Abri a mala e mostrei o enorme objeto cabeludo e fedorento que meu pai usara ao volante de seu Stutz Beacat em 1955.
- Santo Pai - exclamou Petey com reverência. Passou as mãos na jaqueta e depois no rosto.
- Santo Pai - repetiu, umas quinze ou vinte vezes.
- Você gostaria de ficar com ele? - perguntei.
- Sim - gritou ele, apertando a jaqueta contra o peito. Em seguida, seus olhos assumiram um ar precavido. - O que quer em troca?
- A sua namorada - disse eu, não desperdiçando palavras.
- Polly? - sussurrou Petey, horrorizado. - Você quer a Polly?
- Isso mesmo.
Ele jogou a jaqueta pra longe.
- Nunca - declarou resoluto.
Dei de ombros.
- Tudo bem. Se você não quer andar na moda, o problema é seu.
Sentei-me numa cadeira e fingi que lia um livro, mas continuei espiando Petey, com o rabo dos olhos. Era um homem partido em dois. Primeiro olhava para a jaqueta com a expressão de uma criança desamparada diante da vitrine de uma confeitaria. Depois dava-lhe as costas e cerrava os dentes, altivo. Depois voltava a olhar para a jaqueta. Com uma expressão ainda maior de desejo no rosto. Depois virava-se outra vez, mas agora sem tanta resolução. Sua cabeça ia e vinha, o desejo ascendendo, a resolução descendendo. Finalmente, não se virou mais: ficou olhando para a jaqueta com pura lascívia.
- Não é como se eu estivesse apaixonado por Polly - balbuciou. - Ou mesmo namorando sério, ou coisa parecida.
- Isso mesmo - murmurei.
- Afinal, Polly significa o que para mim, ou eu pra ela?
- Nada - respondi.
- Foi uma coisa banal. Nos divertimos um pouco. Só isso.
- Experimente a jaqueta - disse eu.
Ele obedeceu. A jaqueta ficou bem larga, passando da cintura. Ele parecia um motoqueiro mal vestido da década de cinqüenta.
- Serve perfeitamente - disse, contente.
Levantei-me da cadeira e perguntei, estendendo a mão.
- Negócio feito?
Ele engoliu a seco.
- Feito - disse, e apertou a minha mão.
Saí com Polly pela primeira vez na noite seguinte.
O Primeiro programa teria o caráter de pesquisa preparatória. Eu desejava saber o trabalho que me esperava para elevar a sua mente ao nível desejado. Levei-a para jantar.
- Puxa, que jantar interessante! - disse ela, quando saímos do restaurante. Fomos ao cinema.
- Puxa, que filme interessante! - disse ela, quando saímos do cinema.
Levei-a para casa.
- Puxa, que noite interessante - disse ela, ao nos despedirmos.
Voltei para o quarto com o coração pesado. Eu subestimara gravemente as proporções da minha tarefa. A ignorância daquela moça era aterradora. E não seria o bastante apenas instruí-la. Era preciso, antes de tudo, ensiná-la a pensar. O empreendimento se me afigurava gigantesco, e a princípio me vi inclinado a devolvê-la a Petey. Mas aí comecei a pensar nos seus dotes físicos generosos e na maneira como entrava numa sala ou segurava uma faca, um garfo, e decidi tentar novamente.
Procedi, como sempre, sistematicamente. Dei-lhe um curso de Lógica. Acontece que, como estudante de direito, eu freqüentava na ocasião aulas de Lógica, e portanto tinha tudo na ponta da língua.
- Polly - disse eu, quando fui buscá-la para o nosso segundo encontro. - Esta noite vamos até o parque conversar.
- Ah, que interessante! - respondeu ela.
Uma coisa deve ser dita em favor da moça: seria difícil encontrar alguém tão bem disposta para tudo.
Fomos até o parque, o local de encontros da universidade, nos sentamos debaixo de uma árvore, e ela me olhou cheia de expectativa.
- Sobre o que vamos conversar? - perguntou.
- Sobre Lógica.
Ela pensou durante alguns segundos e depois sentenciou:
- Interessante!
- A Lógica - comecei, limpando a garganta - é a ciência do pensamento. Se quisermos pensar corretamente, é preciso antes saber identificar as falácias mais comuns da Lógica. É o que vamos abordar hoje.
- Interessante! - exclamou ela, batendo palmas de alegria.
Fiz uma careta, mas segui em frente, com coragem.
- Vamos primeiro examinar uma falácia chamada Dicto Simpliciter.
- Vamos - animou-se ela, piscando os olhos com animação.
- Dicto Simpliciter quer dizer um argumento baseado numa generalização não qualificada. Por exemplo: o exercício é bom, portanto todos devem se exercitar.
- Eu estou de acordo - disse Polly, fervorosamente. - Quer dizer, o exercício é maravilhoso. Isto é, desenvolve o corpo e tudo.
- Polly - disse eu, com ternura - o argumento é uma falácia. Dizer que o exercício é bom é uma generalização não qualificada. Por exemplo: para quem sofre do coração, o exercício é ruim. Muitas pessoas têm ordem de seus médicos para não exercitarem. É preciso qualificar a generalização. Deve-se dizer: o exercício é geralmente bom, ou é bom para a maioria das pessoas. Do contrário está-se cometendo um Dicto Simpliciter. Você compreende?
- Não - confessou ela. - Mas isso é interessante. Quero mais. Quero mais!
- Será melhor se você parar de puxar a manga da minha camisa - disse eu e, quando ela parou, continuei:
- Em seguida, abordaremos uma falácia chamada generalização apressada. Ouça com atenção: você não sabe falar francês, eu não sei falar francês, Petey Bellows não sabe falar francês. Devo portanto concluir que ninguém na universidade sabe falar francês.
- É mesmo? - espantou-se Polly. - Ninguém?
Contive a minha impaciência.
- É uma falácia, Polly. A generalização é feita apressadamente. Não há exemplos suficientes para justificar a conclusão.
- Você conhece outras falácias? - perguntou ela, animada. - Isto é até melhor do que dançar.
- Esforcei-me por conter a onda de desespero que ameaçava me invadir. Não estava conseguindo nada com aquela moça, absolutamente nada. Mas não sou outra coisa senão persistente. Continuei.
- A seguir, vem o Post Hoc. Ouça: Não levemos Bill conosco ao piquenique. Toda vez que ele vai junto, começa a chover.
- Eu conheço uma pessoa exatamente assim - exclamou Polly. - Uma moça da minha cidade, Eula Becker. Nunca falha. Toda vez que ela vai junto a um piquenique...
- Polly - interrompi, com energia - é uma falácia. Não é Eula Becker que causa a chuva. Ela não tem nada a ver com a chuva. Você estará incorrendo em Post Hoc, se puser a culpa na Eula Becker.
- Nunca mais farei isso - prometeu ela, constrangida. - Você está bravo comigo?
- Não Polly - suspirei. - Não estou bravo.
- Então conte outra falácia.
- Muito bem. Vamos experimentar as premissas contraditórias.
- Vamos - exclamou ela alegremente.
Franzi a testa, mas continuei.
- Aí vai um exemplo de premissas contraditórias. Se Deus pode fazer tudo, pode fazer uma pedra tão pesada que ele mesmo não conseguirá levantar?
- É claro - respondeu ela imediatamente.
- Mas se ele pode fazer tudo, pode levantar a pedra.
- É mesmo - disse ela, pensativa. - Bem, então eu acho que ele não pode fazer a pedra.
- Mas ele pode fazer tudo - lembrei-lhe.
Ela coçou a cabeça linda e vazia.
- Estou confusa - admitiu.
- É claro que está. Quando as premissas de um argumento se contradizem, não pode haver argumento. Se existe uma força irresistível, não pode existir um objeto irremovível. Compreendeu?
- Conte outra dessas histórias interessantes - disse Polly, entusiasmada.
Consultei o relógio.
- Acho melhor parar por aqui. Levarei você em casa, e lá pensará no que aprendeu hoje. Teremos outra sessão amanhã.
Deixei-a no dormitório das moças, onde ela me assegurou que a noitada fora realmente interessante, e voltei desanimadamente para o meu quarto. Petey roncava sobre sua cama, com a jaqueta de couro encolhida a seus pés. Por alguns segundos, pensei em acordá-lo e dizer que ele podia ter Polly de volta. Era evidente que o meu projeto estava condenado ao fracasso. Ela tinha, simplesmente, uma cabeça à prova de Lógica.
Mas logo reconsiderei. Perdera uma noite, por que não perder outra? Quem sabe se em alguma parte daquela cratera de vulcão adormecido que era a mente de Polly, algumas brasas ainda estivessem vivas. Talvez, de alguma maneira, eu ainda conseguisse abaná-las até que flamejasse. As perspectivas não eram das mais animadoras, mas decidi tentar outra vez.
Sentado sob uma árvore, na noite seguinte, disse:
- Nossa primeira falácia desta noite se chama ad misericordiam.
Ela estremeceu de emoção.
- Ouça com atenção - comecei - Um homem vai pedir emprego. Quando o patrão pergunta quais as suas qualificações, o homem responde que tem uma mulher e dois filhos em casa, que a mulher e aleijada, as crianças não tem o que comer, não tem o que vestir nem o que calçar, a casa não tem camas, não há carvão no porão e o inverno se aproxima.
Uma lágrima desceu por cada uma das faces rosadas de Polly.
- Isso é horrível, horrível! - soluçou.
- É horrível - concordei - mas não é um argumento. O homem não respondeu à pergunta do patrão sobre as suas qualificações. Ao invés disso, tentou despertar a sua compaixão. Cometeu a falácia de ad misericordiam. Compreendeu?
Dei-lhe um lenço e fiz o possível para não gritar enquanto ela enxugava os olhos.
- A seguir - disse, controlando o tom da voz - discutiremos a falsa analogia. Eis um exemplo: deviam permitir aos estudantes consultar seus livros durante os exames. Afinal, os cirurgiões levam as radiografias para se guiarem durante uma operação, os advogados consultam seus papéis durante um julgamento, os construtores têm plantas que os orientam na construção de uma casa. Por quê, então, não deixar que os alunos recorram a seus livros durante uma prova?
- Pois olhe - disse ela entusiasmada - está e a idéia mais interessante que eu já ouvi há muito tempo.
- Polly - disse eu com impaciência - o argumento é falacioso. Os cirurgiões, os advogados e os construtores não estão fazendo teste para ver o que aprenderam, e os estudantes sim. As situações são completamente diferentes e não se pode fazer analogia entre elas.
- Continuo achando a idéia interessante - disse Polly.
- Santo Cristo! - murmurei, com impaciência.
- A seguir, tentaremos a hipótese contrária ao fato.
- Essa parece ser boa - foi a reação de Polly.
- Preste atenção: se Madame Curie não deixasse, por acaso, uma chapa fotográfica numa gaveta junto com uma pitada de pechblenda, nós hoje não saberíamos da existência do rádio.
- É mesmo, é mesmo - concordou Polly, sacudindo a cabeça. - Você viu o filme? Eu fiquei louca pelo filme. Aquele Walter Pidgeon é tão bacana! Ele me faz vibrar.
- Se conseguir esquecer o Sr. Pidgeon por alguns minutos - disse eu, friamente - gostaria de lembrar que o que eu disse é uma falácia. Madame Curie teria descoberto o rádio de alguma outra maneira. Talvez outra pessoa o descobrisse. Muita coisa podia acontecer. Não se pode partir de uma hipótese que não é verdadeira e tirar dela qualquer conclusão defensável.
- Eles deviam colocar o Walter Pidgeon em mais filmes - disse Polly - Eu quase não vejo ele no cinema.
Mais uma tentativa, decidi. Mas só mais uma. Há um limite para o que podemos suportar.
- A próxima falácia é chamada de envenenar o poço.
- Que engraçadinho! - deliciou-se Polly.
- Dois homens vão começar um debate. O primeiro se levante e diz: ‘o meu oponente é um mentiroso conhecido. Não é possível acreditar numa só apalavra do que ele disser’. Agora, Polly, pense bem, o que está errado?
Vi-a enrugar a sua testa cremosa, concentrando-se. De repente, um brilho de inteligência - o primeiro que vira - surgiu nos seus olhos.
- Não é justo! - disse ela com indignação - Não é justo. O primeiro envenenou o poço antes que os outros pudesse beber dele. Atou as mãos do adversário antes da luta começar... Polly, estou orgulhoso de você.
- Ora - murmurou ela, ruborizando de prazer.
- Como vê, minha querida, não é tão difícil. Só requer concentração. É só pensar, examinar, avaliar. Venha, vamos repassar tudo o que aprendemos até agora.
- Vamos lá - disse ela, com um abano distraído da mão.
Animado pela descoberta de que Polly não era uma cretina total, comecei uma longa e paciente revisão de tudo o que dissera até ali. Sem parar citei exemplos, apontei falhas, martelei sem dar trégua. Era como cavar um túnel. A princípio, trabalho duro e escuridão. Não tinha idéia de quando veria a luz ou mesmo se a veria. Mas insisti. Dei duro, até que fui recompensado. Descobri uma fresta de luz. E a fresta foi se alargando até que o sol jorrou para dentro do túnel, clareando tudo.
Levara cinco noites de trabalho forçado, mas valera a pena. Eu transformara Polly em uma lógica, e a ensinara a pensar. Minha tarefa chegara a bom termo. Fizera dela uma mulher digna de mim. Está apta a ser minha esposa, uma anfitriã perfeita para as minhas muitas mansões. Uma mãe adequada para os meus filhos privilegiados.
Não se deve deduzir que eu não sentia amor por ela. Muito pelo contrário. Assim como Pigmaleão amara a mulher perfeita que moldara para si, eu amava a minha. Decidi comunicar-lhe os meus sentimentos no nosso encontro seguinte. Chegara a hora de mudar as nossas relações, de acadêmicas para românticas.
- Polly, disse eu, na próxima vez que nos sentamos sob a árvore - hoje não falaremos de falácias.
- Puxa! - disse ela, desapontada.
- Minha querida - prossegui, favorecendo-a com um sorriso - hoje é a sexta noite que estamos juntos. Nos demos esplendidamente bem. Não há dúvidas de que formamos um bom par.
- Generalização apressada - exclamou ela, alegremente.
- Perdão - disse eu.
- Generalização apressada - repetiu ela. - Como é que você pode dizer que formamos um bom par baseado em apenas cinco encontros?
Dei uma risada, contente. Aquela criança adorável aprendera bem as suas lições.
- Minha querida - disse eu, dando um tapinha tolerante na sua mão - cinco encontros são o bastante. Afinal, não é preciso comer um bolo inteiro para saber se ele é bom ou não.
- Falsa Analogia - disse Polly prontamente - eu não sou um bolo, sou uma pessoa.
Dei outra risada, já não tão contente. A criança adorável talvez tivesse aprendido a sua lição bem demais. Resolvi mudar de tática. Obviamente, o indicado era uma declaração de amor simples, direta e convincente. Fiz uma pausa, enquanto o meu potente cérebro selecionava as palavras adequadas. Depois reiniciei.
- Polly, eu te amo. Você é tudo no mundo pra mim, é a lua e a estrelas e as constelações no firmamento. For favor, minha querida, diga que será minha namorada, senão a minha vida não terá mais sentido. Enfraquecerei, recusarei comida, vagarei pelo mundo aos tropeções, um fantasma de olhos vazios.
Pronto, pensei; está liquidado o assunto.
- Ad misericordiam - disse Polly.
Cerrei os dentes. Eu não era Pigmaleão; era Frankenstein, e o meu monstro me tinha pela garganta. Lutei desesperadamente contra o pânico que ameaçava invadir-me. Era preciso manter a calma a qualquer preço.
- Bem, Polly - disse, forçando um sorriso - não há dúvida que você aprendeu bem as falácias.
- Aprendi mesmo - respondeu ela, inclinando a cabeça com vigor.
- E quem foi que ensinou a você, Polly?
- Foi você.
- Isso mesmo. E portanto você me deve alguma coisa, não é mesmo, minha querida? Se não fosse por mim, você nunca saberia o que é uma falácia.
- Hipótese Contrária ao Fato - disse ela sem pestanejar.
Enxuguei o suor do rosto.
- Polly - insisti, com voz rouca - você não deve levar tudo ao pé da letra. Estas coisas só têm valor acadêmico. Você sabe muito bem que o que aprendemos na escola nada tem a ver com a vida.
- Dicto Simpliciter - brincou ela, sacudindo o dedo na minha direção.
Foi o bastante. Levantei-me num salto, berrando como um touro.
- Você vai ou não vai me namorar?
- Não vou - respondeu ela.
- Por que não? - exigi.
- Porque hoje à tarde eu prometi a Petey Bellows que eu seria a namorada dele.
Quase caí para trás, fulminado por aquela infâmia. Depois de prometer, depois de fecharmos negócio, depois de apertar a minha mão!
- Aquele rato! - gritei, chutando a grama. - Você não pode sair com ele, Polly. É um mentiroso. Um traidor. Um rato.
- Envenenar o poço - disse Polly - E pare de gritar. Acho que gritar também deve ser uma falácia.
Com uma admirável demonstração de força de vontade, modulei a minha voz.
- Muito bem - disse - você é uma lógica. Vamos olhar as coisas logicamente. Como pode preferir Petey Bellows? Olhe para mim: um aluno brilhante, um intelectual formidável, um homem com futuro assegurado. E veja Petey: um maluco, um boa vida, um sujeito que nunca saberá se vai comer ou não no dia seguinte. Você pode me dar uma única razão lógica para namorar Petey Bellows?
- Posso sim - declarou Polly - Ele tem uma jaqueta de couro preto.

( in Sulman, M. (1973): As calcinhas cor-de-
rosas do Capitão, Porto Alegre: Ed. Globo)

Fabiano Oliveira
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